Esse episódio eu sempre soube que ia contar.

Além dos lugares, uma coisa incrível que a escalada me trouxe foi a chance de me conectar com pessoas diferentes. Provavelmente gente que eu nunca conheceria caso não houvesse o esporte em comum. Por sorte minha, conheci a Glauce. Mulher que eu admiro demais, cheia de força e sensibilidade. O modo como ela encara a escalada e a vida sem dúvida me fez ser uma pessoa melhor.

Em agosto de 2016 eu estava com viagem marcada pra Patagônia. Como me dediquei muito mais aos boulders desde que comecei a escalar, sabia que ia precisar ganhar experiência nas esportivas e tradicionais pra conseguir aproveitar essa trip pra Argentina. A quem recorri? Glauce.

Decidimos então, eu, Glauce e Nina, passar uns dias na Serra do Cipó escalando esportivas e depois partir pro Rio de Janeiro para fazer algumas vias tradicionais clássicas.

No Rio, faríamos três paredes: Face Norte do Pão de Açúcar, K2 no Corcovado e a terceira iríamos decidir ainda qual seria.

Tudo certo, tudo ótimo. Eis que entre uma conversa e outra a Glauce me solta: “Nega, quero escalar com você uma parede que eu também não conheça. Nós duas na mesma situação, você topa?”. E eu ia dizer o quê? Claaaaaaaaaro, vamos nessa!

Lá fomos nós duas para Teresópolis, sedentas para fazer o cume do Dedo de Deus.

Saímos do Rio de Janeiro às 6 da matina e às 8 estávamos no início da trilha. Uma hora subindo mata a dentro bateu a dúvida: será que estamos na trilha certa? Quando a vegetação abriu um pouco vimos o Dedo de Deus do outro lado, longe. Definitivamente não era a trilha certa… Demos meia volta, voltamos pra estaca zero e tínhamos perdido duas horas.

Sentamos, abrimos a mochila com a comida, olhamos uma pra outra e tínhamos duas opções: comer e ir embora ou comer e fazer a trilha correta para a base da via.

Cheias de coragem e motivação, uma apoiando a outra, decidimos subir, claro. Ninguém ia embora dali sem ao menos ter tentado.

Alguns metros de cabo de aço depois, encontramos a via que iríamos subir. Claro que já um pouco cansadas e preocupadas com o horário. Em uma das cordadas, uma neblina pesada encobriu a parede, e a Glauce que estava guiando não conseguia sequer enxergar as chapeletas para continuar. Eu, mais que apreensiva, só pedia pra tudo dar certo.

Momentos depois ela conseguiu se achar e era a minha vez de entrar nessa cordada que é uma chaminé. Detalhe: minha primeira vez em uma delas. Eu basicamente não conseguia me mover e foi aí que a Glauce me gritou e disse: “se a gente não conseguir sair daqui até 17 hrs pra estar no cume no máximo até 17:30 vamos ter que rapelar”.

Sinceramente, eu que já tinha chegado até ali pensei: “Não desço sem acessar o cume DE JEITO NENHUM!” Com essa motivação eu consegui arranjar um jeito de sair dali e escalar o que faltava.

Chegamos no cume do Dedo de Deus exatamente às 17:30 hrs, emocionadas e gratas. Nos abraçamos e contemplamos um dos visuais que vão ficar pra sempre gravados na minha memória. Rapelamos já a noite e chegamos em casa por volta das 22 hrs mortas de cansaço.

Fizemos as contas, quase 15 horinhas de perrengue. Saímos dessa completamente preenchidas de amor, companheirismo e a certeza da força e união feminina.

2018-10-03T23:49:38-03:00

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